PuZZle of LiFE
Dança da Alma
“enquanto escutas falas vive a língua
doce desejo de água o corpo aberto
caído sobre a lama
(…)
o passo rompe a luz a jovem face
pequena sobre as folhas”
António Franco Alexandre (“A pequena face” in “Poemas”)
As cinco pinturas de grande formato que Sofia Pidwell apresenta agora na Galeria Sá da Costa são o reverso das coreografias gestuais que a artista executa durante o processo criativo. São como que a parte de trás do espelho no qual a artista se revê (e aos seus gestos) transmutados em espirais de cor. Mas são também o contraponto visível dos seus bailados vigorosos que evoluem até à catarse e desenham no espaço tangível movimentos circulares ininterruptos.
Os gestos rodopiam sobre si mesmos num ritmo imparável; conformam novelos de cor ciclópicos, ciclónicos, caleidoscópicos e derramam-se em vertigem cromática sobre a tela, ocupando toda a sua superfície e, até, serpenteando para alem das margens do suporte. Todo o espaço circundante é assim contaminando por uma miríade de cores entrelaçadas que lembram auroras boreais de cor mutante.
Não há aqui espaço para descontinuidades ou disrupções. A própria consciência autoral da artista é engolida no processo criativo e a obra, então liberta, constrói-se a si mesma espontaneamente, consolidando progressivamente a sua original necessidade e coerência. As cores sobrepõem-se, mesclam-se, diluem-se e entrelaçam-se, percorrendo todas elas o mesmo sulco juncado e ondulante, por vezes alagando as margens, tal qual um rio caminhando para a foz e arrastando no seu leito os inumeráveis sedimentos.
A rapidez e amplitude dos gestos contínuos de Sofia Pidwell é perceptível na densidade das manchas de cor que vão ficando gravadas sobre a tela, tracejadas, irregulares, mais vincadas umas do que outras, mas nunca sincopadas, jamais interrompidas.
O método apofático adoptado por Sofia Pidwell, reduzindo deliberadamente a importância do estatuto autoral no processo criativo, tem afinidade com algumas correntes espirituais que provocam, por exemplo, em cerimónias ritualistas orgiásticas, o êxtase dos participantes, e também com a “loucura dionisíaca” patente na tragédia grega inicial, ao produzir a síntese de deus com bode na figura do sátiro. Para estas o conhecimento e contacto com as realidades supra-naturais só são plenamente alcançados em estados mentais exacerbados, quando os indivíduos se ultrapassavam a si próprios.
Nas actuais pinturas, reunidas sob o título “ The PuZZle of LIFE”, cabe, sobretudo, a Sofia Pidwell a função de médium, de mediadora entre o mundo material e o mundo espiritual, transmutando a matéria indiferenciada em informação espiritual, à maneira dos dervixes rodopiantes da Ordem Mevlevi – comunidade esotérica Sufi fundada em Konya no dealbar do século XIII pelo iluminado poeta e mistico islâmico Jalal al-Dim Rumi. Rodopiando em transe sobre o seu eixo, numa dança circular vertiginosa, estes frades mendicantes comunicam com as entidades que acreditam representarem a divindade, transportando a sua energia para a terra, purificando-a.
Na cadência dos feixes coloridos de Sofia Pidwell podemos facilmente imaginar a pauta musical que lhes corresponde e entrever para onde se encaminham: um bolero pulsante, em crescendo, que mergulha subitamente no Uno, no vácuo, no Nada, “…pois que as coisas não têm no Uno qualquer forma distinta (…)” (Plotino, “Eneidas” IV).
José Sousa Machado