SEESAW - do equilíbrio dinâmico às estruturas dissipativas
Casa Museu Medeiros e Almeida Lisboa
Vivemos no espaço e convivemos no tempo. Espaço e tempo são palavras tão correntes no nosso dia-a-dia que nos impedem de pensar no que significam de facto “espaço” e “tempo”, se são noções interdependentes ou se, pelo contrário, constituem categorias distintas. E, no entanto, reconhecemos que os conceitos de espaço e de tempo condicionam e regulam a nossa vida social, afectiva, económica e política.
A exposição de Sofia Pidwell é, ao mesmo tempo, um processo. Um processo que se desenvolve em quatro momentos: Observação; Libertação; Contemplação; Ser Autêntico. O que, para qualquer físico de formação como eu, faz lembrar imediatamente os estádios do método científico clássico: Observação; Hipótese; Experimentação; Teorização. Redobrei de atenção.
Durante milénios as explicações do mundo resultaram de uma visão «religiosa» do universo que se traduzia num sistema em que as sociedades eram dominadas por deuses. A cosmologia associada a estas visões religiosas é a de uma Terra imóvel no centro do mundo, com as estrelas em revolução eterna à sua volta, movidas pela vontade divina. O tempo tinha uma natureza cíclica (voltava-se periodicamente ao estado de pureza inicial), tal como o ciclo agrário e os eventos dos calendários da hierarquia religiosa. O espaço era local, correspondendo ao lugar dos objetos que nele se situavam. Não havia vácuo, pois isso seria um horror e um desafio à omnipresença divina que garantia a ordem das coisas.
Uma importante contestação a esta visão do mundo resultou das grandes viagens dos navegadores portugueses e europeus que vieram revelar a toda a magnitude do que era anteriormente desconhecido. Várias ordens de grandeza foram sendo acrescentadas à realidade, acompanhando as espantosas descobertas dos astrónomos e dos cientistas que então despontavam. Uma nova cultura de tendência e crítica e base experimental criou assim raízes na Europa dando origem a uma nova visão do mundo.
Nesta visão «geométrica», a natureza, tal como as sociedades desenvolvidas da Europa, era governada por leis. O livro da natureza, porém, não estava escrito na linguagem comum, mas sim em linguagem matemática, no dizer de Galileo Galilei. Nesta concepção do mundo, é essencial encontrar as grandes simetrias, correspondentes aos princípios de invariância descrevendo o universo que, por sua vez, dão origem às leis da natureza, imutáveis, absolutas, eternas.
Isaac Newton foi o grande racionalizador desta concepção, definindo o espaço como infinito e absoluto, isto é, puro. O mundo tinha começado como espaço. O espaço era um vazio onde se moviam os corpos, devido às forças que neles actuavam. Tornou-se impossível considerar distinções entre o movimento nos céus e na Terra: havia apenas uma única física que decorria das leis da natureza. O tempo, naturalmente, perdeu parte do seu carácter orgânico, foi separado do espaço, transformando-se num parâmetro linear e reversível: o tempo dos mercadores e dos fabricantes de relógios, os artesãos da modernidade.
Mas nos princípios do século XX começaram-se a acastelar dúvidas sobre a ordem geométrica da natureza – pois se, a nível do cosmos, era possível entender o mundo como um agregado de espaço e de tempo, o “espaço-tempo” da relatividade de Albert Einstein, cuja curvatura constituía a explicação racional para o campo de gravitação, já a nível do microcosmos, dos átomos e das partículas elementares, novos campos de forças e novas simetrias surgiram que não se compatibilizavam com as regras do mundo à nossa escala.
O espaço passou de novo a não estar vazio, a possuir energia própria, a servir como meio de propagação para os campos. O mundo quântico é dominado pela “indeterminação” e a nossa única maneira de entendê-lo é, segundo Niels Bohr, a de considerarmos que apenas conhecemos as probabilidades de localização de uma partícula num determinado intervalo de tempo. Aqui, entra em liça a noção de informação, conceito ainda não tão estabilizado como o de energia, facto que motiva muitas e desencontradas conjecturas.
Estas dificuldades levantam novamente a questão da relação do espaço com o tempo, ao centrar a procura de entendimento do universo não nas simetrias mas sim na existência de instabilidades. Estas instabilidades correspondem à operação de princípios de auto-organização, originando uma profusão de “estruturas dissipativas” cuja coesão e conteúdo informativo são finitos. Justifica-se deste modo a existência de sistemas complexos, altamente organizados, tais como nós próprios, bem como as nossas sociedades.
Esta nova visão possui uma índole «temporal». E assim continuamos, entre o espaço e o tempo, entre o tempo e o espaço. A frase de Albert Einstein «espaço e tempo são, afinal, maneiras de pensar, e não as condições sob que vivemos» contém uma das mais profundas observações feitas sobre estes temas.
O traço de Sofia Pidwell constrói-se a partir de estruturas básicas que mais parecem quanta do espaço-tempo, com curvaturas revelando a existência de matéria, as suas torções e vórtices assinalando a complexidade do real; ou não será, antes, que descrevem o processo de propagação de uma comunidade de células vivas que se multiplica até colonizar todo o universo? E depois? What goes up must come down? Será este o segredo de SEESAW? Só observando e experimentando, buscando de acordo com o convite de Sofia, iremos começar a perceber.
João Caraça, Maio de 2016