Performance Exposição «Correspondências»

Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva

 

O apelo da pintura.

 

O trabalho da artista tem-se desenvolvido no decorrer dos últimos anos entre o desenho e a pintura. Na área do desenho, Sofia Pidwell criou obras que estabeleceram uma intensa relação com o espaço da exposição. Essa intensidade vem de um processo cumulativo que resulta em extensas malhas de pequenas formas circulares que se expandem pela parede, pelo tecto, e por zonas menos aptas a pendurar uma tela ou uma moldura. Quer isto dizer que o espaço onde desenvolve as suas obras pode transformar-se no suporte e apropriar-se da sua estrutura morfológica. Contudo, essas malhas, como mantas de pequenas moléculas, não compreendem uma sequência, uma métrica ou uma grelha, e por esse motivo não determinam um ponto inicial e um outro que se reconheça como o seu fim. Apenas a posição erecta do nosso corpo lhes empresta uma direcção, por vezes diagonal, e desta forma associamos o chão e o tecto aos seus limites espaciais. Se nestas obras o gesto é replicado quase infinitamente, contido e controlado para expandir essas pequenas formas com uma dimensão semelhante que lhes atribui essa padronização, como uma malha tecida, nas suas pinturas mais recentes o gesto torna-se mais amplo mas também mais veloz, como se as linhas cromáticas estivessem sempre em movimento, sem princípio nem fim.

Nesta exposição intitulada “Correspondências”, instalada na casa-atelier de Maria Helena Vieira da Silva, Sofia Pidwell declara um novo posicionamento do seu trabalho, assumindo a pintura como uma resposta a esse apelo da pintura que a casa-atelier inscreve na sua história e na nossa memória. As pinturas, como vórtices de aparência cósmica, assumem uma dimensão considerável no limite do gesto que as pintou, mas mantêm essa circularidade do movimento do corpo, que se expande na superfície da tela e se concentra na imagem representada. Se a correspondência com a prática de Vieira da Silva pode ser um apelo, as correspondências que estas obras geram no espaço da casa são um desafio ao espectador, que é tomado de assalto por uma paleta cromática forte, que esconde e revela o gesto, desenhando formas sem que os seus limites sejam definidos. Como uma metáfora do infinito e do modo como nos compreendemos enquanto seres vivos, sensíveis, fenomenologicamente sujeitos à afecção do mundo que, para Sofia Pidwell, não está apenas à nossa volta, não está distante: muito pelo contrário, é interiormente partilhado.
Esta noção de partilha é também uma sensação de pertença, e neste aspecto, como foi referido, as obras expandem-se pelo espaço, neste caso pela escala das pinturas, e por uma acção do corpo, do seu corpo vendado que se entrega a um jogo comum, ecuménico, em que cada espectador receberá uma tira de tecido branco. Uma acção performativa que não pretende esconder as pinturas, a casa e todo o seu ambiente por trás da venda que cada um poderá vestir. Ao invés, é um momento de reflexão, de apelo interior e de exegese, que se revelará no reencontro ao olharmo-nos de novo na casa de Maria Helena, com as memórias que a pintura de Sofia está temporariamente a habitar.

 

João Silvério