Figuras na Paisagem

“É sobretudo na paisagem que o sentimento de vida é um presente raro e delicado”

 

Théophile Thoré, 1846

Dez artistas reinventam modos estéticos para se verem figuras embrenhadas, nítidas ou dissimuladas em paisagens díspares. Quando se apreciam composições pictóricas ou tridimensionais podem detetar-se vestígios ou nelas podem residir figurações de seres diversos: reais, imaginários. Retratam-se seres antropomórficos e zoomórficos que nos são familiares ou algo exóticos. Mas, todos se reconhecem na nossa vontade de celebrar a arte! Identificam-se seres e presenças que emergem da história da arte europeia e do Brasil, comprovando-se que o pensamento artístico é indomável e não se conclui nunca: sempre estará disponível para novas apropriações criativas.


Seres e figuras enredam-se em nós, possuem-nos ou a eles nos oferecemos, para alimentarmos a verdade e a fantasia. São familiares ou desconhecidos, tal como os vemos, aqui e ali, neste caso, quando os visitantes se passeiam nos jardins, no parque, nos caminhos da Quinta da Boa Vista – Fundação Gramaxo. Retrocedemos, e imaginam-se estes campos onde outrora a agricultura dominava e os animais domésticos conviviam com as pessoas. Imaginam-se histórias, episódios trazidos na boca de quem os conta ou supõe. Faça-se o seguinte: vejam os enredos quiçá meio escondidos nas telas e nas esculturas. Tome-se posse delas, recebam-nas com carinho. Fabriquem-se novas circunstâncias, sonhos e utopias para usufruir o tempo e os lugares que os/as artistas nos propõem.


As obras contemporâneas em Figuras na paisagem vistas de dentro para fora afirmam-se em proximidade às salas habitadas pelas peças da Coleção de Maria de Fátima Gramaxo, curadoria do Arquiteto Álvaro Siza Vieira. O diálogo com a coleção estreita-se nesta curadoria que se integra na programação expositiva para 2024. Assume-se na forma de díptico, sendo cúmplice e projetando-se, na sequência e/ou confronto às Cores vistas de dentro para fora.


Entre os artistas presentes nesta mostra, as gerações incentivam conversas entre si e connosco, desafiando a pluralidade de tendências artísticas e linguagens estéticas. Todavia, acham-se, facilmente, alguns denominadores comuns: genuinidade, excelência e convicção de que pela ação do pensamento, se atua sobre a vida de cada pessoa e se favorecem todos.


O edifício do museu acolhe, pois, contrastes, estranhezas e belezas, pelo que suscita refiexões atuantes acerca da convivência de pessoas e ideias crono e georreferenciadas, e ao contribuir para o desenvolvimento de rotinas culturais. Pensam-se as motivações e efeitos do colecionismo, auscultando afetos inteligíveis, seus gostos e para incentivo de fruições por parte da comunidade. Pondera-se até quanto a localização e o entorno – interior e exterior – potenciam e recriam a leitura das obras contemporâneas.


A grande entrée desloca-se no tempo, move-se dos jardins paisagísticos, entra no espaço arquitetónico, eivada de sabedoria e pela depuração concetual. Reencontra-se a historiografia da arte pelos enigmas e desafios. Trazem-se as imagens das figuras quase impercetíveis ou assertivas que se destacam nos ambientes pictóricos identificados em várias pinturas da coleção da Fundadora.


As figurações de pessoas e animais convivem nas respetivas composições, dissimuladas ou destacando-se entre ficções e realidades.


Na poética de seres e espaços, vêem-se mitologias, imaginações e simulacros: as memórias antropológicas e estéticas são patrimónios atuantes. A diversidade e as tipologias dos objetos de arte clamam pela visão especular do presente, que reverbera em descobertas inesperadas e sublimes.


Maria de Fátima Lambert. Nápoles, setembro 2024